sexta-feira, 9 de setembro de 2016

Patrono Cadeira nº 07

Lauro Pereira Rodrigues 

Lauro Rodrigues, jornalista, radialista, poeta e político, elegeu-se vereador pela cidade de Porto Alegre e deputado federal, por dois mandatos (1970 e 1978). 
Foi membro da Estância da Poesia Crioula. Criou e apresentou em 1935, com apenas 18 anos, Campereadas, o primeiro programa radiofônico de atrações regionalistas no Rio Grande do Sul. Dentre essas atrações lançou o cantor Pedro Raymundo, conforme  conta o historiador Luiz Artur Ferronatto no artigo O Centenário de Pedro Raymundo, em 2006. A poesia de Lauro Rodrigues aborda importantes temas no âmbito da política e assina pensamentos que se revelam denúncias contra realidades sociais, como está marcante nos versos de Aleluia, publicados em 1958. Algumas frases sobre nossos políticos, no seu ver, cérebros raquíticos, como ainda hoje constatamos:

Pobre Pátria de vinte e tantas zonas
que tem no seu ventre o Amazonas
e agoniza de fome nas cidades...
Zôo de macacos galhofeiros,
plagiando o viver dos estrangeiros
desde o Batismo à Universidade...

Tenho pena de ti, - senzala branca! -
dessa coletividade honesta e franca
que de tanto esperar já desespera...
Tuas vísceras são campos de imundícies,
onde o vírus malsão das canalhices
se robustece, cresce e prolifera...

Enquanto isso, cérebros raquíticos,
- sanguessugas de pântanos políticos! -
fomentam leis que não trescalam nada...
Mas não tarda que a aurora do futuro
tinja de escarlate o céu escuro
dos párias desta estância abandonada...

Nesse dia, meu pampa, os teus heróis,
ostentando nas mãos raios de sóis
e cavalgando fagulhas celestiais,
virão beber na fúria dos motins,
o sangue nutrido nos festins
dos que colheram sem semear jamais...

E, então, o marco de uma nova era,
surgirá num ermo de tapera
substituindo o pedestal de imbuia,
para que o povo todo num só grito,
possa bradar da Terra ao Infinito:
ALELUIA!...ALELUIA!...ALELUIA!...

Lauro Pereira Rodrigues nasceu no então distrito de Santo Amaro do Sul, município de General Câmara, RS, em 07 de janeiro de 1918 e faleceu  em 17 de dezembro de 1978. Caçador e pescador morreu num acidente náutico nas águas do Guaíba, em circunstâncias até hoje não esclarecidas. Filho de Amaro Joaquim Rodrigues e Laudelina Pereira Mércio Rodrigues, casou-se com Maria Wanda Barreto Rodrigues. Lauro teve uma filha, Maria Nalú, autora do livro Humoramor.
A pequisa sobre a poesia gauchesca de língua portuguesa esbarra em alguns obstáculos que tornam a tarefa mais dícil, sendo que o primeiro reside na constatação de que a vida e a obra da maioria dos poetas desse gênero são praticamente desconhecidas. Pedro Villas-Bôas, autor de Notas de Bibliografia Sul-Rio-Grandense, de 1974, informa que Lauro Rodrigues publicou, em 1944, pela Livraria Globo, Minuano, livro de poemas gauchescos, do qual saíram mais duas edições no mesmo ano. Dois anos depois, 1946, pela mesma Livraria Globo, fez imprimir A Ronda dos Sentimentos, um volume de setenta páginas com sonetos e poemas, do qual saiu uma única edição. Invernada Vazia, o terceiro livro, com o subtítulo de “versos regionais”, é lançado, em primeira edição, no ano de 1951, pela Editora Coruja, de Porto Alegre. No mesmo ano saiu uma segunda tiragem também pela Editora Coruja.
As orelhas de Invernada Vazia trazem algumas referências interessantes ao livro Minuano. A primeira delas, de Antonio Barata, da Editora Globo: “Nenhum romance, biografia, livro de contos ou reportagem, encontrou entre nós, nestes últimos tempos, o recorde de vendas de Minuano. Nunca na história dos livros riograndenses, uma obra vendeu tanto em tão pouco tempo. A razão do êxito, reside, indiscutivelmente, no próprio valor da obra. É um livro para o povo, feito com o sentimento do povo. Lendo-o, sente-se a nostalgia da campestre, do rodeio, da roda de mate nos galpões, dos lábios polpudos da chinoca, do amor sem convenções…”
Outro livro sucesso de vendas foi Invernada Vazia. É indispensável destacar que em 1951, quando foi publicado, um dos autores gaúchos editados pela Globo foi Érico Veríssimo. Invernada Vazia fora a obra mais vendida nos últimos anos, o que mostra a popularidade do poeta Lauro Rodrigues.
A segunda nota é de Catulo da Paixão Cearense: “Nesta época de guerra e de ódios a sua poesia é uma bandeira de paz e de civismo alçada no topo. Deixo a você o meu cajado de glórias…” Nada mais nada menos do que o mais aclamado dos poetas populares brasileiros, na primeira metade do século XX, que faleceria pouco tempo depois, legou o seu “cajado de glorias” ao poeta de Santo Amaro.
Em 1951 é publicado Senzala Branca, um livro de “poemas revolucionários”, pela Editora Coruja. No ano seguinte sai a “2ª Edição”, pela Editora La Salle, de Canoas, com uma tiragem de 5.000 exemplares. A política acabou absorvendo o tempo do poeta. Somente em 1978 editou seu último livro de poemas, A Canção das Águas Prisioneiras (Martins Livreiro-Editor, Porto Alegre).
Pedro Villas-Bôas registra que o poeta possuía, inéditos, os livros Vozes do Parque, Bilhetes, Versos Íntimos e Coletânea de Sonetos e, em preparo, Alçados e Araganos.
Militante do Partido Trabalhista Brasileiro, Lauro Rodrigues assumiu várias vezes como deputado estadual por aquele partido. Depois de 1967, com o bipartidarismo imposto pelo regime militar, filiou-se ao MDB – Movimento Democrático Brasileiro – pelo qual exerceu dois mandatos de deputado federal.
Um dos poemas mais conhecidos de Lauro Rodrigues, que está às páginas 21 e 22 do seu primeiro livro, é Meu baio ruano, declamadíssimo em rodeios e concursos.

Eu tenho um baio ruano
flete bueno
anca de vaca;
cosquilhudo
de virilha e de paleta
puerva ligeiro de pelear de faca.
Nesse baio
eu já fiz tanta proeza
qu’ele carrega a minh’alma presa
na barbela trançada de seu freio.
Muita carreira
esparramei de-hupa!
alegrei muito fandango feio
e muita china sentou na sua garupa.
Esse baio
tem na concha de suas patas
a história
da mais linda das mulatas
por quem um dia, afinal, me abichornei!
É bueno
esse pingo anca de vaca,
flete ligeiro
de pelear de faca,
esse baio
ruano que eu domei!

O grande amor do poeta acaba sendo uma mulata, tipo racial não muito comum como musa dos gauchescos. O intercurso sexual entre o homem branco, mais abastado, e a mulher de cor, das camadas proletárias, foi muito maior do que se imagina na maioria das cidades do Rio Grande imperial. É o que está retratado em “Mulata”, às páginas 57 a 66 de Invernada Vazia.

Mulata

Eu gosto, mulata,
de ver o teu vulto,
dengoso, jeitoso,
riscando o terreiro,
de trouxa no braço,
batido ao mormaço
do sol da manhã.
Teu passo é miúdo!...
Teu corpo, polpudo
da cor do avelã,
tremendo, tremendo
de baixo da saia,
riscada, pesada,
que esconde teus seios,
convida viver…
Teus seios! – meu Deus!! –
Teus seios pequenos,
lavrados, torneados,
imploram pecados
nos próprios coleios
dos membros morenos…
....
(mais adiante, conclui Lauro)

Mas tudo não passa de um guapo desejo!
Mulata, o teu beijo
não é p’ra minha boca!
Mas quando a velhice chegar de mansinho e
teu corpo bonito, curvar-se, curvar-se,
assim como um galho de moita de espinho
verás que a tua carne
morena, cheirosa,
dengosa, vaidosa,
de nada valeu;
a boca que outra’ora beijou-te,
escarrar,
sorrir do que és
evocando o que foste…

Pois quando curtires
num rancho de chão,
sem pão
nem tarimba
o teu próprio passado,
um velho tropeiro,
que tanto te quis,
dirá na sanfona
p’ra os moços do sítio
a história tristonha da china infeliz!

Não praguejo, mulata!
Te juro! É verdade!!!
É a vida quem diz!...

Lauro Rodrigues confere lirismo a uma realidade que foi muito comum no meio rural sul-rio-grandese. A maioria dos atuais grupamentos humanos denominados “quilombos” – como afirma o poeta e pesquisador Paulo Monteiro – não são quilombos no sentido real do termo, mas sim “posses de negros”, descendentes de escravas ou libertas e antigos estancieiros.
Enquanto a poesia gauchesca uruguaio-argentina é uma transformação da antiga poesia payadoresca, oral, em obra literária escrita, de conteúdo militar e militante, durante as guerras da independência daqueles países, a gauchesca brasileira, bastante posterior, é uma criação do Romantismo. Daí a marca dos clássicos românticos, que fazem parte do cânone literário “culto” sobre os poetas populares sul-rio-grandenses.
Sobre o produtor e apresentador de “Campereadas” pesam outras duas influências. A primeira delas é dos gauchescos platinos. Não é à toa que ele se refere a El Viejo Pancho, pseudônimo do espanhol José Alonso y Trelles (1857-1924), que residiu muitos anos no Uruguai, tendo escrito um pequeno volume, Paya Brava, que foi lido avidademente por uruguaios, brasileiros e argentinos. A tapera, o umbu, o quero-quero, temas explorados pelo El Viejo Pancho, dão título a poemas enfeixados no livro Minuano
Lauro Rodrigues dedica ao El Viejo Pancho todo um poema de “Senzala Branca”, onde se refere a “Martín Fierro”, a grande obra do argentino José Hernández. Em 1948, passada a Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos impunham ao mundo seu dólar e sua cultura. A rebeldia quixotesca dos jovens estudantes do Colégio Júlio de Castilhos, de Porto Alegre, que culminaria no atual Movimento Tradicionalista Gaúcho era uma espécie de contra-cultura. Em 1957, quando do lançamento do quarto livro do poeta de Santo Amaro, as orquestras americanas originaram uma moda avassaladora e o rock-en-roll começava a aparecer. “Viejo Pancho”, representa a voz da acordeona – alma campeira! – um grito contra a musica estrangeira, contra a desnacionalização da cultura.
No poema Terra, Alma da Gente, Lauro fala sobre Martin Fierro:


Mês de maio! Geada branquicenta
de renguear cusco e dar golpe aos lerdos…
Martin Fierro y sus últimos recuerdos
anima a estância que o fogão aquenta!

Viejo Pancho, andejo de outras eras
arrinconado à sombra das taperas
que a mocidade construiu p’ra Vida,
bordejando as cordas da viola,
vai declamando no seu tom pachola
o “Hopa-Hopa” da ilusão perdida…

(e segue...)

 A segunda influência é dos poetas populares sertanejos e do Nordeste brasileiro, destaque para Catulo da Paixão Cearense.
“Mulata” e “cabocla”, dois termos para definir tipos femininos, produtos da miscigenação com o europeu, não são muito frequentes entre os gauchescos brasileiros. Para “cabocla” as expressões correspondentes são “china”, “chininha” e “chinoca”, procedentes do português “chim”. China é a forma carinhosa com que o gaúcho se refere à sua índia ou cabocla. Cabocla é o correspondente para os poetas de outros estados à china dos gauchescos.
“Filha do pago”, que consta entre as páginas 42 e 46 de Minuano transpira a poesia sertaneja de Catulo, sem o peso dos regionalismos nordestinos, que encontra correspondência entre alguns poetas rio-grandenses.
O próprio vocabulário de Lauro Rodrigues contribui para que ele seja diferente dos poetas gauchescos posteriores. Não introduz à força os regionalismos. Essa moderação vocabular também auxiliou na repercussão dos seus poemas. Os gauchismos, nele, são espontâneos, naturais, numa linguagem confessional, como se abrisse sua alma aos leitores.
Outro tema presente na poesia popular, além fronteiras do Rio Grande do Sul, é o da tragédia amorosa provocada pela morte precoce da mulher amada, seja esposa, amante ou namorada. A tragédia amorosa está nos poemas de Lauro Rodrigues. Dois deles ficaram muito conhecidos: “Sinhá Maria”, de Minuano, e “Historieta”, de Invernada Vazia. No primeiro, é a jovem namorada que falece; no segundo, é a jovem esposa.
Em 1955, os Centros de Tradições Gaúchas espalhavam-se Rio Grande a fora. Invernadas campeiras, conservando as práticas laborais dos homens do campo, e invernadas de danças, difundindo as danças típicas do Estado, faziam sucesso. Costureiras, modistas e alfaiates fabricavam pilchas (roupas típicas) para homens e mulheres, discos, livros e cursos difundiam o tradicionalismo. Cursos de danças foram ministrados e “novas danças” incorporadas aos repertórios das “invernadas artísticas” dos CTGs…
 O gauchismo virara mercadoria. Contra essa “indústria cultural” Lauro Rodrigues produziu Pelegueando, uma sátira aos “manuais de danças gaúchas”, lançados no mercado.

Bueno amigo, acabou-se
o pampa de antigamente!
E por me achar descontente
com o tranco que a vida leva,
aparto um verso maleva
como piá de bodega
e saio muito xobrega
a provocar arruaça,
em meio dessa chalaça
que chamam de tradição…
Venho do fundo do tempo
das bocas que se arrolharam,
quando, sem mais, incendiaram
os panos de “trinta e cinco”,
por isso acho engraçado
olhar os tauras de agora
vestindo bombacha e espora
como mocinha de brinco…

(e por aí segue...)

Em “Senzala Branca”, que Lauro emprega para sinônimo de escravidão capitalista, a influência de Castro Alves é marcante, a começar pelo poema que abre o volume, Aleluia com as referências bíblicas, as apóstrofes e as figuras de retórica e linguagem características do grande condoreiro baiano.
O estilo condoreiro continua em sua última obra editada, A Canção das Águas Prisioneiras, como no poema “A Canção do Tempo que Não Virá”.
Lauro Pereira Rodrigues deixou um livro que foge à gauchesca, intitulado A Ronda dos Sentimentos. Um dos sonetos, Prenda que se Dissolve, é a marca do lirismo transbordante do poeta.

Devolvo-te, querida, a tua imagem,
– última sombra de meus ideais! –
e embora o faça, inda ela é meu pajem,
não é preciso contemplá-la mais.

Guardo-a comigo na interior paisagem
qual sol de outono em horas vesperais.
E a nossa história – que feliz miragem! –
conclui-se, agora, debulhada em ais!

E quem diria que esse amor que tanto
nos fez sorrir, como sorriu-me outrora,
agonizasse sufocado em pranto!

Termina a história, mas o amor não finda!
Desta saudade que desponta agora
novos romances nascerão ainda…

Lauro Pereira Rodrigues foi admitido na maçonaria através de cerimônia de Iniciação realizada pela Loja Atlântida n. 15, filiada à Grande Loja do Rio Grande do Sul, em 30 de dezembro de 1952. Dois anos passados obteve o grau de Mestre Maçom. Foi eliminado pela mesma Loja em novembro de 1955. Permaneceu apenas três anos na irmandade.
Lauro Rodrigues não teve uma passagem edificante pela maçonaria. Mas a cadeira número 7 da Acadesul não permitir que o gauchismo romântico e o lirismo popular percam para o esquecimento coletivo o nome de um poeta idealista que divulgou a cultura simples e as tradições dos usos campeiros, numa linguagem que o país inteiro entende.


Porto Alegre, 11 de março de 2014.

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