sexta-feira, 9 de setembro de 2016

Patrono Cadeira n° 11

Pedro Gonçalves Moacir

                   Quantos brasileiros passaram para a história dos esquecidos ?  Muitos. Por vezes cabe-nos trazê-los aos holofotes para que a justiça se restabeleça, mesmo que tardiamente. Pedro Gonçalves Moacyr é um destes brasileiros, que devemos trazer sua biografia a lume, resgatando a história de um grande homem que lutou muito pela democracia deste país. Pedro Gonçalves Moacyr teve uma vida  repleta de desafios e realizações que o distinguiram na sociedade. Não obstante o passar de tão longo espaço de tempo prejudicar a coleta de dados, todo o esforço para elaborar um texto que expresse o todo ou parte de sua obra, certamente representa um ganho de qualidade à história do Brasil, que outros, quiçá, o venham complementar. 

                   De profissão advogado, atuou na área jornalística e política, onde alcançou em várias eleições lugar de destaque na Assembleia Legislativa do Estado e na Câmara de Deputados.
                   Nascido em Porto Alegre na data de 29 de junho de 1871 à rua da Varzinha, hoje Demétrio Ribeiro, era filho de Dona Leopoldina dos Santos Jobim, professora pública, e do Dr. José Gonçalves Vianna, homem reconhecidamente muito culto e grande orador.

                   Passou a infância na cidade de Taquari, vindo a estudar preparatórios em sua cidade natal, junto a seu pai, que lhe forneceu sólida cultura humanística.

                   Aos 16 anos foi para São Paulo e matricula-se na Faculdade de Direito. Por concurso foi nomeado funcionário dos Correios da cidade, e onde tornou-se propagandista da República, acompanhando Prudente de Moares. Formou-se na Faculdade de Direito de São Paulo, em 1891. Retorna a Porto alegre, entra na política e apoia o Dr. Júlio de Castilhos. Um ano após, ao completar a maioridade, foi eleito deputado estadual à 2ª Legislatura da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, de 1893 a 1897, sendo relator do Orçamento e  tornando-se primeiro secretário da Mesa Diretora da Assembleia. 

                   Esteve ligado, desde muito jovem, ao PRR - Partido Republicano Rio-Grandense.  Em 1894 casou-se com Francisca Vieira Alves de Oliveira e renunciou ao mandato estadual, pois foi eleito deputado federal pelo Rio Grande do Sul na legenda do PRR.
                   Ocupou a direção do jornal “A Federação” de 1893 a 1895. A última sede do jornal, inaugurada em 6 de setembro de 1922 em comemoração ao centenário da Independência do Brasil, é hoje, na cidade de Porto Alegre, o Museu de Comunicação Social Hipólito José da Costa, ilustre gaúcho. Tratava-se de veículo de divulgação dos ideais políticos do Partido. Com a ascensão do partido ao governo do Estado, tornou-se o porta-voz oficial da opinião do governo. Seu objetivo era disseminar as ideias republicanas.

                   Para se ter uma ideia da importância deste jornal, o que dimensiona o trabalho e currículo de Pedro Gonçalves Moacyr:  os idealizadores do jornal, aprovado no I Congresso do Partido em 1883, foram Venâncio Aires, Ramiro Barcelos, Ernesto Alves, Barros Cassal, Borges de Medeiros, Fernando Abbott, Carlos Barbosa, Germano Hasslocher e Júlio de Castilhos, todos nomes de ponta que construíram a história política do Rio Grande do Sul e do Brasil.
Sua primeira edição circulou em janeiro de 1884 e possuía em suas publicações questões políticas ligadas ao Estado e ao país, além de apresentar ocorrências policiais e alguns anúncios.

                   No “A Federação” que foi publicada em 16 de setembro de 1886 a primeira lista telefônica de Porto Alegre , nela, a Companhia União Telephonica do Brazil. No seu auge, na década de 1910, chegou a uma tiragem de dez mil exemplares por dia e autointitulava-se o jornal de maior circulação do Rio Grande do Sul, competindo com o Correio do Povo. Na década de 30 passou a órgão oficial do Partido Republicano Liberal, que substituiu ao Partido Republicano Riograndense. Em janeiro de 1933 foi adotado como Diário Oficial do Estado. Em maio de 1935 com o surgimento do Diário Oficial, editado pelo governo, voltou a ser um jornal partidário. Em outubro de 1937 cria uma sucursal do jornal no Rio de Janeiro.

                   Pedro Gonçalves Moacyr foi deputado federal na legislatura de 1894-1895, até se desentender com Júlio de Castilhos e aderir à dissidência dos “nórmicos”. Participou também da comissão organizada com o intuito de aprovar o projeto de programa e regimento do Partido Federalista, que havia sido fundado em 31 de março de 1892 em oposição ao PRR. Essa comissão, formada também por Rafael Cabeda, Alcides Lima e Barros Cassal, aprovou as novas propostas em 1901. 

                   Em março de 1908, com o objetivo de reunir todos os grupos descontentes com o controle do PRR sobre a política estadual, alguns membros da comissão diretora do Partido Federalista, entre os quais Pedro Moacir e Rafael Cabeda, encontraram-se com Assis Brasil na cidade de Bajé. Durante a reunião, chegou-se a redigir uma proposta unificadora das oposições gaúchas, sugerindo-se que o Partido Federalista, por conveniência política, deixasse em suspenso suas teses parlamentaristas. Esse documento, contudo, não conseguiu promover a fusão, pois a facção federalista de Francisco Antunes Maciel, então deputado federal (1906-1911), se recusou a aceitar a incorporação por entender que isso significaria o sacrifício da doutrina parlamentar e o desaparecimento do próprio partido. 

         Faço aqui uma contextualização para explicar o termo “nórmicos”, anteriormente citado:
                   O autoritarismo de Castilhos já suscitara, dentro de seu próprio grupo, resistências expressivas, que se traduziram na formação, ainda em julho de 1896, com anterioridade à reorganização dos federalistas, de um Partido Republicano Liberal, reunindo membros da antiga dissidência demetrista (Demétrio Ribeiro, Barros Cassal, Antão de Faria) com os chamados “autonomistas” ou “nórmicos”, liderados por Homero Baptista, Álvaro Baptista, Pedro Gonçalves Moacyr, Francisco Miranda, Alcides Lima, Setembrino de Carvalho e outros.

                   A atividade desse partido, que teve curta duração, centrava-se em torno do jornal “A REPÚBLICA”, fundado por Homero Baptista, Álvaro Baptista e Francisco Miranda, ainda em julho de 1894, em plena guerra civil. Foi redator chefe de 1897 a 1899. Era de seu programa a revisão da Constituição Estadual, para afeiçoá-la às regras da Federal, e a defesa da autonomia municipal. Receberam, seus fundadores, o rótulo de “nórmicos”, porque alegavam que o Partido Republicano Rio-Grandense havia-se afastado das “normas” consagradas em seu nascedouro e durante a propaganda republicana.
                   Em 1896, terminado o mandato de Deputado Federal, Pedro Gonçalves Moacyr não foi reeleito pois havia rompido com a situação rio-grandense em setembro de 1895, ao ser discutida a anistia aos revolucionários de 93, que ele queria ampla e irrestrita, o que contrariava o pensamento do governo do Estado. Manteve-se leal ao seu velho amigo Prudente de Moraes, então Presidente da República. Tendo ficado na dissidência, assume como redator-chefe do Jornal “A República”. Ingressou no Partido Federalista e assumiu uma postura revisionista da Constituição, tendo sido um dos defensores do testamento político de Silveira Martins, em 1901.

                   Retornou à Câmara Federal em 1906, como deputado federal, na primeira vez que o Partido Federalista teve alguma chance de sucesso nas eleições federais no Rio Grande do Sul. Foi neste mandato, especificamente no ano de 1906 em uma sessão do Congresso, elegemos uma de suas manifestações sobre a defesa da visão nacionalista e a contrariedade e oposição ao modelo que se estabelecera na forma ditatorial de Júlio de Castilhos:
A oposição do Rio Grande do Sul tem mais do que um papel regional: visa um objetivo eminentemente nacional, pelo seu programa, pelas suas ideias de reforma, (...) visto como  se propõe, além da remodelação completa do Estado, pela reforma de sua Constituição e das leis complementares, à reconstrução geral do país ou do organismo político, que se  agita nos textos da Constituição de 24 de Fevereiro.”

         Foi reeleito em 1909 e 1912. Com dificuldades para reeleger-se em 1915 pelo Rio Grande do Sul, foi apoiado pelo então presidente fluminense Nilo Peçanha (1914-1917) do 1º distrito do Estado do Rio de Janeiro, tendo sido reconduzido até 1917. No Rio de Janeiro tornou-se advogado de destaque graças as suas atuações brilhantes em vários atuações. Nesta ocasião foi alvo de elogio de Rui Barbosa, que lhe atribuía um talento autêntico.

                   Mesmo estando afastado do Rio Grande do Sul, manteve-se atuante, atendendo aos anseios do Estado. Em 08 de janeiro de 1906, com seu apoio direto, o decreto de equiparação do Ginásio ao Colégio Pedro II., antigo "Gimnasio Pelotense", fundado em 24/10/1902 por maçons da cidade de Pelotas, é levado a sanção do presidente da República.

                   Na maçonaria, vale destacar, Pedro Gonçalves Moacyr, Iniciado na Loja Progresso da Humanidade em 03/10/1892, posteriormente membro da Loja Hiram em 1899, deixa seu nome para a história da Arte Real ao ser empossado como 'Grão-Orador' no dia 14 de outubro de 1893, há 121 anos, quando foi oficialmente fundado o Grande Oriente do Rio Grande do Sul.  Historicamente a participação de maçons do Estado na Câmara Federal na fase republicana, em seus primeiros anos, privilegia, dos 42 deputados gaúchos, apenas seis, dentre eles, Pedro Gonçalves Moacyr. 

                   No Rio de Janeiro era membro do Instituto da Ordem dos Advogados, do qual foi orador. De 1898 a 1905 colaborou na imprensa carioca, escrevendo sempre sobre política. Foi redator de “O País” e “Diário de Notícias”, ambos no Rio de Janeiro.  Raramente vinha ao Sul. Em uma das raras vezes, esteve em Montividéu em julho de 1901 acompanhando o Conselheiro Gaspar da Silva Martins, que, de repentino, no dia 23 veio à óbito. Neste dia de luto nacional, fez um magnânimo discurso, onde expressou que estivera com o Conselheiro na véspera e conversara longamente sobre “a remodelação nacional do Brasil republicano” e “sobre suas ideias de revisão constitucional”.

                   Em 1906, ao retornar ao Rio Grande, é eleito deputado federal pelo Partido Federalista, sendo reeleito nas legislaturas seguintes até 1914. Com sua visão federalista, defendia a harmonia das constituições estaduais com a Federal, devendo aquelas respeitarem a hierarquia. Entretanto, constantemente destacava em seus pronunciamentos a existência de um desacerto
profundo da Constituição sul-rio-grandense para com a Carta federal, o que feria seriamente os princípios basilares do sistema republicano federativo. Na defesa de seu entendimento apresenta no dia 07 de junho de 1907, no Plenário Nacional, a necessidade de intervensão nos estados e de que forma deveria se efetivar a tão pretendida intervenção: por meio da nomeação de um interventor. Afrimara:

“Indico que o Congresso Nacional se manifeste sobre a necessidade de uma comissão mista  de cinco deputados e cinco senadores, a qual, conjuntamente com as Comissões de Constituição e de Justiça da Câmara e do Senado, proceda ao estudo das Constituições dos Estados e  verifique se estão ou não de acordo com os princípios constitucionais da União. (Art. 63 da Constituição Federal).

Que, verificada qualquer infração da Constituição Federal, o Congresso Nacional imediatamente se pronuncie sobre ela, pela forma que os Regimentos da Câmara e do Senado os determinarem, ou por um processo especial.

Que, em seguida, o Poder Executivo nomeie um interventor incumbido de administrar o Estado, cuja Constituição for em parte ou no todo declarada inconstitucional e de mandar proceder  à urgente eleição de uma assembleia constituinte, à qual competirá emendar ou substituir  os artigos considerados inconstitucionais.

Que, terminado o trabalho dessa constituinte, cessem as funções do interventor e o governo do Estado volte aos seus órgãos reguladores.

Que o Poder Executivo faça respeitar as decisões do Congresso Nacional com fundamentos  nos arts. 63, 35, n I, 34 ns. 33 a 34 e 6º, § § 2º e 5º, combinados, da Constituição Federal.  (Sala das Sessões, 19 de junho de 1907.)”

                   Fazendo ainda menção à situação política vivenciada pelo país vizinho - Argentina, que vivia sob um sítio intermitente desde 1853, que Pedro Moacyr voltou a discursar em prol da aprovação de sua indicação:

Mas, se tal solução não agrada, porque se trata da nomeação de um interventor, esse terrível fantasma que até hoje não assombrou outros povos que vivem sob a mesma forma política que nós temos, como a República Argentina, então veja a Câmara outra solução.
         Com as dificuldades de se implantar um federalismo autêntico, uma democracia verdadeira e uma identidade nacional, face ao jogo de interesses que se estabeleceram após a implantação da República, gerando inclusive uma certa suadade aos tempos do Império, Pedro Moacyr assim se manifesta no Congresso:

E a maior glória do Império, aquela que a posteridade remota jamais poderá recusar aos seus dignos e honrados estadistas, é ter assegurado através de todos os sacrifícios, inexperiências e tormentas que naquela ocasião convulsionavam não só o Brasil mas toda a América — a unidade étnica, moral e política da nossa raça e da nossa nacionalidade. Setenta anos de Império construíram este vasto, colossal, admirável e querido Brasil. Entretanto é, para mim republicano, dolorosíssimo confessar que 18 anos do novo regime republicano conturbaram a consciência nacional, convertendo a bela unidade conquistada pelo trabalho acumulado de várias gerações de estadistas, em um trabalho de solapamento perverso de todos os fundamentos de nossa nacionalidade, arrastando-nos, porventura, a um ridículo desmembramento, se uma mão de ferro
oportunamente e com máxima energia, ressalvado o patrimônio da nossa cultura moral e da nossa unidade étnica, não se opuser a tantos desmandos, abusos e imprevidências.

                   Em 1915 passa a representar na Câmara Federal o povo fluminense, continuando, porém, a ser o verdadeiro defensor da oposição gaúcha no seio do Congresso Nacional.  Durante o tempo em que foi deputado fez quase sempre parte da Comissão de Constituição e Justiça, produzindo pareceres de reconhecida envergadura e consistência. Terminado seu mandato em 1917, não voltou mais à Câmara.

                   O ano de 1918 lhe foi difícil, devido a problemas de saúde, entretanto, no ano seguinte entra novamente na vida da imprensa em colaborações contínuas para o “Correio do Sul” da cidade de Bagé.

                   Como característica marcante, Pedro Gonçalves Moacyr se mostrou partidário ardoroso de uma forte aliança entre todas as oposições rio-grandenses, encontrando, entretanto, resistências por parte de alguns. Contrariando opiniões de companheiros, empenhou-se na Câmara pela candidatura de Fernando Abbott à presidência do Rio Grande do Sul, e também fez a campanha de propaganda eleitoral dentro do Estado a favor do mesmo, que tinha como bandeira a legítima democracia.

                   Possuía temperamento progressista, espírito agitado, dificilmente se continha diante daquilo que ele chamava de 'imobilidade mussulmana'.

                   Ler era um de seus hábitos e com isso, mantinha-se sempre atualizado com todas as ocorrências e ideias locais e estrangeiras da época. Possuía total afinidade com os chamados liberais autênticos, o que lhe aproximava muito de Rui Barbosa, com o qual escreveu o livro “A Revogação da Neutralidade do Brazil”, em 1918 através da editora Londres, contendo em suas 147 páginas dois memoráveis discursos proferidos pelos autores. Foi redator-chefe do “Diário de Notícias” na histórica reação civilista. Publicou, também, “O conflito das leis eleitorais da União e do estado do Rio Grande do Sul (1908)”.

         Conforme já citado, defensor de uma anistia sem reservas, teve que enfrentar, em setembro de 1895, a bancada castilhista, que propôs a cassação de seu mandato. Não lograram êxito, pois sua argumentação e sua oratória lhe privilegiava, resultando em amplo sucesso na empreitada.

                   Pedro Gonçalves Moacyr, podemos afirmar com toda a segurança, viveu momento histórica da vida política nacional, defendendo com muita bravura, consciência e dignidade a recém proclamada República. Graças a sua força, inteligência e intransigência direcionadas ao fortalecimento da Republica e da democracia, encontrou solo fértil para desenvolver suas excelsas aptidões como advogado, homem de imprensa e político. Como resultado de sua conduta ilibada e destemida, encontrou a inveja e oposição, contudo elevaram-no ao mais alto conceito para a história da construção dos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, esteios para uma verdadeira democracia e estado de direito. Temos muito a nos orgulhar deste insigne brasileiro, que permanece vivo através dos anos como patrono da cadeira nº 11 da ACADESUL – Academia Maçônica de Letras Sul-Rio-Grandense.

                   24 de julho de 1919, Pedro Gonçalves Moacyr, ainda moço, parte ao Oriente Eterno.  Após sua morte, a Livraria do Globo, editou em 1925, com prólogo de Assis Brasil, uma coleção de seus “Discursos Parlamentares”, obra contendo 443 páginas, a qual espelha com bastante precisão, através da transcrição de suas manifestações no parlamento e fora dele, um homem com bases sólidas na ética, na moral e na espiritualidade.

Nelson André Hofer de Carvalho

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